Sonhos para despertar
- jrfotografia2022
- 17 de nov. de 2023
- 5 min de leitura
Trabalhar com os sonhos na Arteterapia é uma forma de compreender as mensagens do inconsciente. É se apropriar de todos os elementos presentes, é uma linguagem simbólica, o que torna mais difícil para a consciência, com sua linguagem linear, interpretá-los sem ajuda, mas a abordagem junguiana nos auxilia à decodificá-los um a um, em atividades sequenciais, a fim de apreender a mensagem, trazendo-a para consciência.
As imagens oníricas conjugam, por vezes, cenários fantásticos e distópicos, noutras vezes são ambientados no comum, no corriqueiro, no que já é conhecido. E lembrar o que foi sonhado, mesmo que em fragmentos, é material para desdobrarmos em arteterapia.
Segundo a psicologia junguiana , os sonhos tem a função de compensação, isto é, podem negar, criticar, confirmar ou modificar atitudes conscientes. Silveira(1997) aponta que "os sonhos funcionam principalmente como reações de defesa, como auto-reguladores de posições conscientes, demasiado unilaterais ou antinaturais". Outra função importante do sonho é a prospectiva, ele pode trazer uma antecipação do futuro, seja como forma de correção ou confirmação da atitude consciente.
Os sonhos podem se tornar surpreendentes ferramentas de autoconhecimento, pois ele nos coloca diretamente em contato com o essencial da nossa vida interior. Podem apresentar desejos, medos, traumas, e muitas vezes irão contar o que não queremos ver ou ouvir. Analisá-los é como acessar camadas constituídas muitas informações.
Assim com a arteterapia, utilizando linguagens diversas, estaremos estimulando a mensagem que, em sua grande sabedoria, a alma tenta desesperadamente nos entregar. A arte visual permite abordar diretamente a linguagem poética e misteriosa dos sonhos e alimentar suavemente a realidade da sombra e da luz que eles nos revelam sobre nós mesmos. Pintar, desenhar ou reproduzir um sonho permite explorar nossas imagens íntimas de maneira surpreendente.
A seguir, veremos um processo arteterapêutico realizado a partir de um sonho.
A narrativa em resumo: O confronto de algo novo, alcunhado de forte desejo - versus- a figura emblemática de um carro contraposta em um segundo cenário, tal qual conduziu ao encontro do novo mas que depois desapareceu, deixando apenas confusão.
O sonho foi verbalizado em tom humorado, com detalhes e ao fim, veio o primeiro insight sobre a presença do carro. O carro marcava uma época vivida no passado, de fato o carro havia existido na vida do sonhador e deixado de existir em um momento que se sentiu de mesmo modo atraído pelo novo. E ao fazer esses paralelos, houve um longo silêncio reflexivo que desencadeou na primeira produção.
1ª produção:

Desenho em A4 com lápis de cor pastel. Produção da imagem oniríca que se apresentou mais forte.
Escrita Criativa:
Fui encontrar um desejo
do outro lado minha carruagem vazia
em tão pouco tanto aconteceu
era doce, era riso, era noite, era dia
o que era certo desapareceu
confusa me perdia,
perdi de novo
a materialidade do que podia
mas olhei em volta e
continuava a mulher que sorria
embaraço, chuva e desejo
que ao lado permanecia
continuei a sorrir mesmo com a perda
era pelo ganho que sorria.
A interpretação emerge espontaneamente quando giramos ao redor da obra, quando nos deixamos levar por ela e lhe permitimos evoluir. O carro comunicou. Era um alerta, uma advertência do passado que poderia repetir no futuro. A sonhadora fez suas conexões pessoais, o produto que mais importa. No entanto, a imagem continuou ressoando.
Buscamos ampliar o significado simbólico também a partir da literatura, chegando em conteúdos interessantes para elaborações.
Seguem abaixo alguns fragmentos significativos, segundo a autora Elizabeth Reis (2023) associando a imagem arquetipíca, o carro :
"se sente impelido inconscientemente a procurar alguma coisa nova, não sabe onde buscar, mas se sente pronto ou abandonar as velhas estruturas, condicionamentos, rotinas e hábitos do passado, jogando-se rumo ao desconhecido. É movido pela necessidade de buscar a si mesmo, desapegando-se de tudo aquilo que sufoca sua essência.
[...]
O carro é a iniciativa de se dirigir à vida por conta própria. É a coragem de agir, de se desvencilhar do passado, tomando as rédeas da vida nas próprias mãos em busca de novos rumos. É o impulso de partida. É o símbolo do nosso próprio corpo, uma estrutura psicofísica móvel dentro da qual nosso ego, nosso centro de consciência individual pode explorar suas possibilidades e conquistas na vida.
[...]
Ele aprende a tomar consciência de seus atos e de suas consequências como uma pessoa adulta [...]Esse é um conflito que não poderá ser evitado, mas sim encarado com consciência honestidade força e comedimento.
[...]
E não é com força física que vai conseguir dominar o carro mas com a energia de sua força interior.
[...]
o carro também representa dualidade, é o símbolo da vontade humana, precisa ser fiel a uma verdade superior em seu caminho espiritual buscando sua transformação a serviço do self.
E depois de ouvir novas perspectivas, compreendeu que, o que antes estava significando a sombra do medo de perder, agora ressignificada, não lhe paralisava, lhe dava coragem. A sombra transmutava à um novo sentimento.
2ª Produção:

Colagem em A4, o carro como elemento central.
Escrita Criativa:
Uma mulher em chamas pela vida,
dona do seu caminho.
O fogo de sua intuição vai guiá-la
aos seus desejos mais profundos.
Homem nenhum vai cruzar seus limites.
Ela é seu próprio controle, seu combustível,
seu Norte, sua pele, seus sentidos, sua vulva
ela cada vez mais dela e menos de quem quiser.
Na segunda linguagem, utilizamos a colagem. Novamente o carro, mas agora intrínseco a figura feminina, junto a chama, o caminho, o norte, os desejos, a energial vital do seu sexo. A mensagem existencial do sonho se revelou como a coragem para ouvir seus instintos e tomar o controle de sua própria vida. Tranformou em força motriz para movimentos agora conscientes.
Contudo, o assunto ainda não havia dado por terminado, dias passaram e o sonho ainda reverberava. Seguimos para terceira produção, na modelagem livre com plastilina, para dar forma tridimensional.
3ª Produção:
Escrita Criativa
Toco a vida que há em mim
honro o fogo, a força, a suavidade e a luz
que eu não mais me esqueça
não mais me perca
Que a minha natureza prevaleça
com a beleza da sua simplicidade
a sutileza dos sentidos
e assim eu nunca perca
a esperança na nobreza do amor.
O meu amor.
O carro deu lugar a uma forma feminina completa, nos sentidos físico, emocional e espiritual. Reconhecendo as partes de si mesmo. Trazendo uma nova figura, agora animal, a qual se relaciona com sua natureza forte e instintiva. Assim encerramos o tema.
Compreender os simbolismos foi fundamental nesse processo.
Os sonhos incansavelmente nos trarão questões e respostas nesse mundo de imagens oníricas. E a partir da compreensão dos simbolismos poderemos ampliar nossa maneira de lidar e seguir os desafios da vida.
REFERÊNCIAS
SILVEIRA, Nise da. Jung Vida e Obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
DUCHASTEL, Alexandra. O caminho do imaginário - o processo de arteterapia. São Paulo: Paulus, 2010.
REIS, Elizabeth Merath. O tarô na arteterapia. Rio de Janeiro: Madras, 2023.
Comments